A escuridão engoliu a agonia, e senti-me fraca de gratidão por a lembrança ter chegado a esta finalíssima conclusão. A escuridão ocupou tudo, e eu estava livre.
Mas então a cor irrompeu de volta, a lembrança se erigiu e me engolfou novamente.
Mas não era a mesma lembrança. Era uma lembrança dentro de uma lembrança, uma lembrança final, como um último suspiro, de algum modo, contudo, mais forte que a primeira.
Eu vira esse tipo de rosto nas imagens que me deram para que eu me preparasse para este mundo.
Eu nada sabia sobre o que era considerada a beleza entre essa criatura estranha, mas, ainda assim, sabia que aquele rosto era bonito. Eu queria ficar olhando para ele. Assim que compreendi isso, ele desapareceu.
Esta vendo, como ela se saiu bem com a primeira lembrança, a pior lembrança. Ela conseguiu lidar com o que quer que esteja esperando. Vivíamos no fundo do grande oceano que cobria toda a superfície do nosso mundo, um mundo que também tinha um nome, mas que igualmente sumiu. Para obter a informação de que os médicos necessitavam, eu teria de explorar as lembranças violentas que me haviam feito gritar de pavor. Mais que isso, eu estava com medo da voz que ouvi tão alta na minha cabeça. Mas ela estava em silêncio agora, como devia estar. Era apenas uma recordação, também. Eu consegui pular o fim, ele não me oprimiu dessa vez. Ao fazer a fita avançar rápido, corri pela escuridão outra vez, tremendo, tentando não sentir. Acabou logo. Talvez as numerosas ligações fossem a razão de as emoções serem tão intensas. Tenho confiança total em que lidar com isso está dentro da minha capacidade. Fiz um esforço, lutando contra mais um paredão cego. Suas mãos agarram meu rosto de ambos os lados e, antes que eu possa me livrar, seus lábios se abaixam sofregamente sobre os meus. Só depois de ver a minha mão se enrolar voluntariamente na dele, percebo que acredito nele. Ele sufoca fazendo um chiado, e estou livre. Não me permito acreditar que isso seja mais que um truque. Não compreendo o sentido do enigma, mas estou certa de que é um truque. Não há mais esperanças. Sei para onde estou indo, não vou deixar pegadas que ele possa ver no escuro. Acordei coberta de suor. Antes mesmo de estar completamente desperta. Meus dedos estavam em minha nuca, localizando a pequena linha deixada pela inserção. Eu mal podia detectar a marca rosa - claro com a ponta dos dedos. Os remédios que os médicos tinham receitado cumpriram seu papel. A cicatriz malfeita dele nunca fora um verdadeiro disfarce. Um sonho novo, mas em essência muito parecido com muitos outros que me haviam afligido nos últimos meses. Não, não um sonho... Certamente uma memória. Pisquei para eliminar a umidade indesejada em meus olhos. Eu não sabia quanto mais eu poderia agüentar. Como alguém sobrevivia neste mundo, com esse corpo cujas lembranças não ficavam no passado. Com essas emoções tão fortes, que eu já nem podia mais saber o que eu sentia. Eu estaria exausta amanhã, mas sentia-me tão longe do sono, que sabia que ia levar horas antes que conseguisse relaxar. Eu também podia cumprir meu dever e acabar logo com isso. Talvez isso ajudasse a tirar de minha cabeça coisas nas quais preferiria não pensar. Todo esse tempo, e nunca sequer. Havia conjeturado a existência dele, não porque ele não me interessasse, mas porque eu o protegia mais ardentemente do que outros segredos não revelados. Não havia dúvida de que estava ficando mais forte. Assim como os sonhos. E isso estava fora de questão; eu ia visitar minha "Confortadora" toda semana. Lágrimas de desapontamento e humilhação brotaram em meus olhos ao pensamento. Ele existia para que os que tinham de se esforçar, para os fracos, e eu me envergonhava de que um dia eu estava lá. Vivíamos todos os dias sabendo que podíamos encontrar o fim definitivo a qualquer momento. Não vou mais perambular, mas fugir.
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